sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Sob um deserto do sul

Relacionado ao assunto das paisagens e das "casas velhas", esse poema, da 9ª Quadra da Sesmaria da Poesia, é um ótimo exemplo. Será que vamos deixar chegar nesse ponto?
Vamos pensar no que estamos fazendo com a nossa terra.

Sob um Deserto do Sul

 Vaine Darde
O que direi de nossa estirpe
Para os que, um dia,
Nos buscarem na história?
Para os homens do futuro,
Que, à margem de um rio extinto,
Escavarem nas areias,
Desse deserto indefensável
Que agora principia?

O que direi aos arqueólogos do amanhã
Que quiserem decifrar nossa vivência
Entre as cinzas de um fogo de chão
E objetos carcomidos
Do antigo cotidiano
De um galpão desenterrado?

A ciência lhes dirá
Que o ermo estéril onde pisam
Já foi campo ao sul da América,
Que sobre o solo de areias escaldantes
Outrora os rebanhos prosperaram,
Outrora as lavouras se expandiram
Sob a égide de um povo
Que alicerçou o seu domínio
Sobre o lombo do cavalo.

O que direi a esses homens
Quando ao tempo indagarem:
- Mas o que eles fizeram? -
Direi que uma estirpe de guerreiros,
Entre o rebanho e a lavoura,
Tanto cultivou a ambição
Que enlouqueceu pela ganância...
E no desvario de mais colheita,
E mais colheita e mais colheita,
Esqueceu-se do futuro...

Direi que envenenamos: primeiro a terra,
Depois os açudes, e as sangas,
e os rios, e o mar?
Direi que tanto exploramos os campos
Até que a pampa estéril se vingasse
Com vazio e solidão?
Que a próspera cultura eqüina dos gaúchos
Feneceu pelo descaso,
Pela sede desvairada de progresso.
Ou direi que, outra vez,
O fator humano foi a causa
Da tragédia da paisagem?

Talvez esses homens do futuro,
Um dia, encontrem, em suas buscas,
Um livro de Caetano Braun,
Uma guitarra de Yanel,
E não entendam que um povo
Provido de tal sensibilidade
Fosse, também, capaz
De tal violência com o campo.

Com certeza, quando os séculos
acumularem
Camadas e mais camadas de areia
sobre a pampa
E o deserto reclamar sua posse
sobre o sul,
Em alguma escavação os restos
de um galpão
Falarão, por nós, aos que vierem,
Dirão de nós toda a verdade
Nos tonéis de inseticida...
Nas latas de herbicida...
Nos laços...
Nas esporas...
Nas armas...
E, até, os nossos ossos falarão por nós...

Eu direi, apenas, nos meus versos
Que fomos também contaminados
Pelo mal do nosso tempo.
Por essa força natural da evolução
Que passou despercebida aos nossos olhos
Até que os recursos naturais se exaurissem
E, nem com os milagres da ciência,
Nem com máquinas poderosas
Conseguimos reparar todo
mal que cometemos.

Direi apenas que, apesar de pastoris,
Que apesar dos poemas e milongas,
E de todo romantismo das bailantas,
Nós também fomos perversos
E cultivando nossos sonhos
Destruímos nossa casa...
Que, assumindo a herança
De bárbaros invasores,
Contribuímos para o fim.

Tomara que, um dia,
O futuro não nos negue
Um lugar em seus museus!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Afinal, o que faz esse tal de arquiteto?

É muito frequente e até insistente a pergunta: Tu és engenheiro? Não, mas sou arquiteto e urbanista. Mas o que faz o arquiteto? O que é esse tal de urrrbaaanista?? Tu faz decoração ou tu calcula a estrutura, também?

O arquiteto é um profissional generalista, que cursou a graduação de "Arquitetura e Urbanismo". É formado para atuar em diversas áreas, como concepção e execução de projetos arquitetônicos e urbanísticos, "referentes a edificações, conjuntos arquitetônicos e monumentos, arquitetura paisagística e de interiores; planejamento físico, local, urbano e regional; seus serviços afins e correlatos."( Resolução nº 218, de 29 jun 1973, CREA).  

 É muito importante divulgar o fato de que o arquiteto trabalha com patrimônio histórico construído, restauro de edificações e de conjuntos urbanos, além de fazer estudos de impacto de vizinhança, de tipologias arquitetônicas das edificações e evolução urbana, atividades que competem apenas ao profissional de arquitetura. Como urbanista, cabe o planejamento de cidades, loteamentos, regiões... 

O arquiteto e urbanista faz, também, arquitetura de interiores e paisagismo. Mas é importante dizer que essas atividades vão muito mais além da decoração. Arquitetura de interiores envolve iluminação natural ou artificial, mobiliário, design de objetos, modificação da estrutura espacial e física do ambiente. Esses serviços, mal realizados, podem provocar problemas sérios muito comuns hoje em dia, como problemas de saúde laborais (tendinites, bursites, etc) ou em decorrência da iluminação e ventilação deficiente ou em excesso.

Quanto à arquitetura paisagística, além de jardins, o arquiteto e urbanista pode projetar espaços urbanos como praças, parques, urbanizações de ruas ou bairros, especificando vegetação e mobiliário urbano. Por isso, quando há deficiência de áreas verdes, iluminação, falta de lixeiras ou paradas de ônibus na cidade, a responsabilidade PROVAVELMENTE é do urbanista responsável. Digo provavelmente porque nem sempre as prefeituras podem dispôr de profissionais ou verbas suficientes, além de nem sempre, por interesses políticos ou particulares, serem feitas as coisas como planejado pelo profissional.

Finalizo, enfim, de forma mais poética com citações do grande arquiteto e urbanista brasileiro Lúcio Costa, autor do projeto urbanístico de  Brasília:
"Arquitetura é antes de mais nada construção, mas, construção concebida com o propósito primordial de ordenar e organizar o espaço para determinada finalidade e visando a determinada intenção. E nesse processo fundamental de ordenar e expressar-se ela se revela igualmente arte plástica, porquanto nos inumeráveis problemas com que se defronta o arquiteto desde a germinação do projeto até a conclusão efetiva da obra, há sempre, para cada caso específico, certa margem final de opção entre os limites - máximo e mínimo - determinados pelo cálculo, preconizados pela técnica, condicionados pelo meio, reclamados pela função ou impostos pelo programa, - cabendo então ao sentimento individual do arquiteto, no que ele tem de artista, portanto, escolher na escala dos valores contidos entre dois valores extremos, a forma plástica apropriada a cada pormenor em função da unidade última da obra idealizada."

"Pode-se então definir arquitetura como construção concebida com a intenção de ordenar e organizar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica e de um determinado programa."

COSTA, Lúcio (1902-1998). Considerações sobre arte contemporânea (1940). In: Lúcio Costa, Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. 608p.il. Disponível em: http://www.iab-rs.org.br/espaco_arquitetura.php?PHPSESSID=90024dc4077da2f4dd5e988f5a8ac14f